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Para educar, é preciso ter paciência
Por Cristiana Vieira
É o fim dos tempos da palmada. Pelo menos é o que promete o tão comentado projeto de lei que coíbe a prática do castigo físico, homenageando os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A medida vem garantir ao menor de idade o direito de ser educado sem o uso de castigos corporais por parte dos pais ou responsáveis. "Quando o adulto bate, não está educando. Interrompe um comportamento errado, porque não conseguiu resolver o problema de outra maneira", explica a educadora Cris Poli, a SuperNanny, do SBT.
Na visão da experiente Cris, educar requer muita paciência e pode ser muito mais saudável e divertido do que se pensa. Para ela, qualquer intensidade da palmada significa agressão. Quando os pais estão estressados e querem resolver um problema rapidamente, apelam para o tapa. A criança que apanha só para de agir porque dói, o que não quer dizer que vai mudar de comportamento. "A educação é um processo consciente, e visa à formação do indivíduo", explica.
Mãe de três filhos e avó de quatro netos, Cris Poli está há quatro anos à frente do programa de TV semanal, onde já atendeu mais de 90 mil famílias. Diz que, nesses anos, encontrou muitos pais desestruturados emocionalmente . Então, os ajuda a organizarem uma rotina, a imporem regras claras e a associá-las ao "cantinho da disciplina" (um lugar para os pequenos ficarem de castigo).
Diz que, primeiro, os pais têm de estabelecer uma rotina, discutir o que está errado, mostrar como gostariam que fosse e, finalmente, definir a regra e fazer o filho entender e aceitar aquele acordo. "A criança tem de saber que é uma decisão dela obedecer à regra e que, quando desobedecer, terá consequência, que pode ser ficar de castigo no tapete, na cadeira, no degrau...", ensina. O tempo indicado para o castigo corresponde a um minuto por cada ano de idade, pois a criança não vai raciocinar por mais do que esse tempo. Quando acabar o castigo, é importante que se estabeleça um diálogo com carinho: "você está aqui porque aconteceu isso, mas eu amo você", e o adulto dá um beijo no pequeno.
Em compensação, quando a criança se comporta e obedece, deve haver um reconhecimento pelo esforço. Afinal, obedecer a regras não é fácil nem para o adulto. Também é importante que as normas sejam claras e concretas, para evitar o comportamento aleatório dos pais. Ou seja, evitar que, quando estiverem de bom humor, relaxem o castigo, ou quando estiverem mal humorados, sejam mais severos. Para Cris, o comportamento dos pais é norteado por outro fator: se foram agredidos na infância, vão usar a mesma metodologia com os filhos.
Em relação à lei, a educadora lembra que há outros tipos de violência que não deixam marcas na pele, como a agressão psicológica, que afeta a autoestima e deixa marcas para o resto da vida. Cris escuta muitos pais dizerem que não têm paciência. Mas alerta: "para ser pai ou mãe, tem de ter paciência!"
Sentimento de culpa - A lojista Maria Valdirene da Silva tem uma filha de 31 e outra de 20 anos. Orgulha-se por nunca ter recorrido à palmada para repreendê-las, embora admita que a mais nova até que já mereceu. "Sempre contava um, dois e três. Conversava tanto que me tornava chata. Tenho uma paciência de Jó." Val, como é conhecida, diz que foi criada sem castigo físico e que a única vez que apanhou foi da avó, com uma varetinha que nem doeu. Mas toda vez que a avó, que morreu aos 75 anos, lembrava daquela cena, caía no choro de tanto arrependimento. "Eu não queria bater para não ficar com aquilo me corroendo pelo resto da vida."
Mãe de Victor, de 5 anos, e de André, de 10 meses, a advogada Samanta Vaz Prado da Costa, de 35 anos, lembra que, quando criança, bastava um olhar de reprovação da sua mãe para ela entender que tinha feito algo de errado, e tremia de medo de apanhar. Lamenta que hoje em dia vê muitas crianças desrespeitarem a autoridade de pais e professores. "A palmada pode ser usada ao menos para amedrontá-los." Seu filho Victor, diz, é um doce. Mas está numa fase levada. E com a chegada do irmão, ficou enciumado. Quando ele apronta, para não bater, Samanta ameaça 50 vezes. Se precisar, confessa, dá uma palmada, mas não para machucar, ou o coloca de castigo.
Para a mãe e advogada, a lei deveria ser mais explícita. Pois não dá para comparar uma palmada com os casos apavorantes de espancamento. E vai mais longe: diz que deveria ter lei contra alunos que desrespeitam seus professores.
Outra mãe que recorre à palmada, mas só quando as filhas começam a brigar, é a assistente administrava Cláudia Regina Lopes Bergamini. Laura, a caçula de 1 ano e 9 meses, é a mais sapeca. Ela e Carolina, de 3 anos e meio, têm muitos, mas muitos brinquedos. Basta uma das duas escolher qualquer um deles para a disputa começar. A mãe coloca as duas de castigo e pede para pensarem na coisa feia que estão fazendo. "Se uma não obedece, a outra vai no embalo e faz o mesmo. Aí não tem jeito", justifica ela.
A psicóloga Mariana Taliba Chalfon acredita que não é necessário educar uma criança com palmada, mas acha que a lei só amedronta pais que não cometem maus tratos, pois os que já o fazem vão continuar usando a mesma metodologia. "O ideal seria haver um trabalho de conscientização desde o pré-natal."
Mariana acredita que a opção à palmada é o castigo, que funciona principalmente quando tem relação com um comportamento específico. Exemplo: se o filho está brigando para não almoçar, a mãe tem de deixá-lo sem o lanche da tarde. "Tirar o que gosta ajuda. Mas quando o problema da criança é não fazer a refeição, tirar o computador não vai surtir efeito."
Outro exemplo: quando o pequeno se comportar mal durante um evento social, é interessante explicar que naquele lugar as pessoas sabem se portar e aí dizer que ele vai ficar isolado por um instante até se acalmar. "Quando voltar, provavelmente ele vai repetir o comportamento. Aí, a mãe vai repetindo o castigo até a criança parar. Tem de ter paciência", avisa.
NOVA LEI - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou para o Congresso Nacional o projeto de lei que coíbe a prática do castigo físico. Para se tornar lei, ainda tem de ser aprovado pelo Legislativo e voltar para a sanção do presidente, o que só deve acontecer em 2011, por conta do recesso eleitoral.
O foco da medida é garantir ao menor de idade o direito de ser educado sem o uso de castigos corporais por parte dos pais ou responsáveis. Hoje, o ECA (Lei 8.069) condena maus tratos contra a criança e o adolescente, mas não define se os maus tratos seriam físicos ou morais.
O artigo 18 da nova lei define "castigo corporal" como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física, que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente." Para configurar a agressão, é necessário que haja testemunhas. A pena para os infratores é advertência, encaminhamento para programas de proteção à família e para tratamento psicológico.